sábado, 2 de julho de 2022

Bélgica

 Quando criancinha ganhei uma cachorra perdigueira à qual dei o nome de Bélgica. Eu vivia numa fazenda onde a amizade de uma menininha solitária e uma doce cachorrinha cresceu com muita força e nos tornamos inseparáveis. Meu amor por ela enchia meu mundo de alegria, até que aos sete anos meus pais resolveram me colocar num colégio interno. Minha primeira preocupação foi como me separar da Bélgica e quem cuidaria dela. Minha mãe afirmou que tudo ficaria bem e que quando eu voltasse para as férias ela estaria me esperando. Mas não estava. Cheguei chamando por ela e ela não apareceu. Ao ver meu desespero meu pai me disse que tinha colégio de gente e colégio de cachorro; que Bélgica estava aprendendo muitas coisas, mas logo chegaria. Eu esperava ansiosa, quando um dia chegou um amigo de meu pai e começaram a conversar sem saber que eu estava ouvindo. De repente ele comentou que a perdigueira que tinha ganhado de meu pai era excelente caçadora. Um gelo cobriu minha alma e nesse dia descobri que não podia confiar nos adultos. Me calei e nunca mais perguntei por Bélgica; mas nunca a esqueci e até adulta eu acordava chorando, porque sonhava que me via na beirada de uma cratera enorme e totalmente escura, onde escutava o latido de minha cachorra. Eu entrava e não enxergava nada diante de mim, tal era a escuridão. Mas escutava o latido e saía tateando, correndo, caindo e gritando o nome dela e nunca a alcançava. Já fazem alguns anos que não sonho mais, talvez porque meu espírito tenha desistido, talvez porque pesadelos maiores substituíram aquele.


 

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