domingo, 31 de janeiro de 2016

Na contramão

Tenho sempre a sensação de ser inadequada, por toda minha vida achei tudo que uma criança estranha pode achar: que era adotada, alienígena, alguém estranho no ninho. Até que descobri que aqui não era o mundo e a maioria das pessoas com quem sempre convivi  não o representava. Sei que muita gente me acha chata, outros prepotente. Eu também me acho às vezes e já derramei muitas lágrimas sonhando ser como os outros para viver contente, entrosada e não sofrer bullying. Já nasci filha única, quando isso era um fato raro; nunca gostei de sujar os pés ou as mãos, comecei a ler muito cedo e era o que mais amava fazer. Tenho alergia a picada de pernilongos, odeio sol quente ( me dá brotoejas), detesto fofocas, pessoas que se divertem à custa das outras, sempre achei errado pegar frutas de quintal alheio às escondidas, cumpro sempre o prometido e acho que um compromisso marcado para 8;00 hs não significa 8:01, muito menos 9:00 ou 10:00 hs. Acho que as leis devem ser respeitadas para organização da sociedade e a boa convivência.  Costumo mentir muito pouco e apenas nos casos necessários, por educação ou respeito. Não gosto de carnaval, de funk, de pagode ou se samba, detesto futebol. Não gosto de barulhos desnecessários, de pessoas que gostam de se intrometer na vida alheia, inclusive na intimidade. Sou apaixonada por gatos, principalmente os pretos. Gosto de momentos de solidão, para fazer as coisas que gosto ou para reflexão. Não acredito nos ditos livros sagrados, nem nos profetas e Deus para mim é apenas uma possibilidade totalmente distante e incompreensível, que, se existe, certamente não se intromete em nossas simples vidinhas. Não temo a morte, já que a considero tão ou mais natural que o nascimento. Apenas gostaria que ela fosse para mim o mais digna e indolor possível.Acredito que as coisas acontecem por acaso, mas principalmente pela interferência da maldade ou bondade humana. Amo e respeito meu corpo, por isso não sou a favor de nenhum tipo de droga. Gosto de ser livre, por isso não aceito dependências, nem mesmo das redes sociais. Mesmo sendo assim não significa que eu não respeite as pessoas que são diferentes de mim e que interfira na vida alheia. Mas o inverso não funciona, sempre querem me provar que estão certas e que eu devo mudar. Isso é impossível, eu cometeria uma violência enorme comigo mesma e tenho certeza que enlouqueceria. Mas andar na contramão tem uma consequência triste, a solidão intelectual, quando a gente não tem com quem compartilhar idéias e o que nos resta é o silêncio ou  um sorriso estúpido congelado no rosto.

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Lembranças

Na fazenda de meus avós, chamada Centro, as rodas d'água eram responsáveis por grande parte da economia. Uma movimentava o monjolo, onde tirava-se a casca do arroz e socava-se o milho para fazer fubá e canjiquinha. Outra girava a moenda de cana para fazer a garapa e dela o açúcar e a rapadura. Fervia em enormes tachos de cobre e exalava um cheiro delicioso. Parte dela era usada para fazer a cachaça Centralina e muitas vezes trabalhadores eram encontrados ao lado dos alambiques totalmente bêbados de tanto experimentar. Eram expulsos imediatamente por minha avó Isabel, empregadora justa mas exigente. E tinha ainda a roda maior da madeireira, que acionava os enormes serrotes, mas seus dentes vorazes me amedrontavam e eu não me aproximava muito. Gostava mesmo era de "ajudar" um senhor de pele cor de carvão, descendente dos escravos da família que continuaram na fazenda depois da Lei Áurea e a quem eu chamava de compadre. Hoje percebo que minha cooperação não era tão valiosa quanto eu achava, pois enquanto ele carregava feixes de cana eu conseguia levar apenas o pedaço de uma. Mas conversávamos muito em nossa jornada de trabalho e ele contava-me histórias maravilhosas.