sábado, 22 de março de 2014

Sem Saída

Apesar da dificuldade da caminhada ela jamais abandonou sua mala de sonhos. Ali ela carregava a lua cheia que olharia abraçada com seu amado tomando taças de vinho, o maravilhoso por-do-sol que veriam sentados num banco na praia; trazia a música que dançariam colados por noites inteiras. Trazia a cama onde curiosos explorariam o corpo do outro como numa aula de anatomia. Trazia também muitas delicadezas, como flores, palavras gentis, gestos de carinho, de compreensão, algumas lágrimas compartilhadas, de alegria ou de dor.Os sonhos iam se acumulando e com o tempo foram ficando muito pesados. Mas ela acreditava sinceramente que um dia  encontraria alguém e então eles seriam todos usados. E enquanto uns fossem usados e outros criados, seriam duas mãos a carregá-los. Caminhou vergada com seu peso por muitos quilômetros e quando estava no fim de sua jornada, viu-se de repente com a mala de sonhos na mão direita, e, algemada à sua mão esquerda uma criança mimada, egoísta e grosseira. Os sonhos não eram grilhões, pois eram doces. Ela olhou para o pouco caminho que restava e percebeu dolorosamente que não conseguiria chegar carregando os dois pesos; um estava preso a seu pulso e o outro tornava-se inútil pois não havia mais tempo para realizá-los e eles já estavam morrendo. Abandonou a mala com tantos sonhos sem uso e seguiu em frente desesperançada, ouvindo e sentindo os destemperos da criança e torcendo para chegar logo ao seu destino. Ah! havia também uma sacola de esperança, mas essa já estava vazia, porque é a esperança que alimenta os sonhos.