quinta-feira, 7 de março de 2013

Coisas dos Costa Vale

Minha mãe viúva, mora ao lado do irmão e cunhada, que por sua vez moram em frente à casa da filha. Minha prima mora com o marido e os dois filhos, um menino e uma menina. Meses atrás, um ladrão perseguido pela polícia, saiu pulando pelos quintais e deu o azar de entrar no quintal de minha mãe e seus cachorros, inclusive uma pitt bull. Atacado com fúria, resolveu pular para o quintal de meu tio. Machucou-se mais ao atravessar o arame farpado sobre o muro e no desespero caiu em cima de uns objetos de ferro que estavam num canto. Aí então estava todo ensanguentado e desorientado. Subiu no telhado e caiu na calçada, já com minha mãe e meu tio no encalço do meliante. Estendido no chão, ao ver os dois perseguidores enfurecidos, identificou-se como filho de uma conhecida deles. Nisso o marido de minha prima acordou ouvindo a voz do filho vinda da rua. Note-se que isso aconteceu de madrugada. Preocupado saiu para a varanda e viu o quadro; meu tio, minha mãe, um rapaz ensanguentado e a criança ao lado dando palpites. Assustado gritou para que ele voltasse para casa, ao que tranquilamente respondeu: "-Não se preocupe papai, é apenas um ladrão e é amigo de vovô e tia Geralda!".

terça-feira, 5 de março de 2013

Canção das mulheres

Que o outro saiba quando estou com medo, e me tome nos braços sem fazer perguntas demais.

Que o outro note quando preciso de silêncio e não vá embora batendo a porta, mas entenda que não o amarei menos porque estou quieta.

Que o outro aceite que me preocupo com ele e não se irrite com minha solicitude, e se ela for excessiva saiba me dizer isso com delicadeza ou bom humor.

Que o outro perceba minha fragilidade e não ria de mim, nem se aproveite disso.

Que se eu faço uma bobagem o outro goste um pouco mais de mim, porque também preciso poder fazer tolices tantas vezes.

Que se estou apenas cansada o outro não pense logo que estou nervosa, ou doente, ou agressiva, nem diga que reclamo demais.

Que o outro sinta quanto me dói a idéia da perda, e ouse ficar comigo um pouco - em lugar de voltar logo à sua vida.

Que se estou numa fase ruim o outro seja meu cúmplice, mas sem fazer alarde nem dizendo ''Olha que estou tendo muita paciência com você!''

Que quando sem querer eu digo uma coisa bem inadequada diante de mais pessoas, o outro não me exponha nem me ridicularize.

Que se eventualmente perco a paciência, perco a graça e perco a compostura, o outro ainda assim me ache linda e me admire.

Que o outro não me considere sempre disponível, sempre necessariamente compreensiva, mas me aceite quando não estou podendo ser nada disso.

Que, finalmente, o outro entenda que mesmo se às vezes me esforço, não sou, nem devo ser, a mulher-maravilha, mas apenas uma pessoa: vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa - uma mulher.
Lya Luft