terça-feira, 22 de outubro de 2013

Pesadelos

De uns anos para cá passei a ter pesadelos terríveis, inimagináveis. Muitas vezes tenho medo de dormir e quando eles vêm acordo aos gritos e em pranto. Eles me assustam muito porque não são como os que eu tinha antes, ocorrem como se eu estivesse acordada, porque sei onde estou, "vejo" o meu quarto, todos os objetos, até olho as horas. Então fica mais difícil distanciá-los de minha vida real. No início desta semana sonhei que acordei de manhã (e era realmente de manhã), me aproximei da cortina para abri-la quando percebi um vulto de mulher atrás do voile, do lado de fora. Fiquei muito assustada porque morando no quinto andar de um prédio, não poderia haver alguém flutuando ali. Sentei na cadeira ao lado da cortina, abaixei a cabeça e  com o canto dos olhos vi que a pessoa passou para dentro. Amedrontada olhei de relance e reconheci as pernas e as mãos de minha filha. Nisso ela estendeu a mão e disse: -Não fuja de mim mãezinha, eu vim ver a senhora! Imediatamente peguei na sua mão e aconteceu o seguinte diálogo: -Filha, foi acidente? -Foi mamãe. -Você não sobreviveu, não é mesmo? -Não mamãe. Comecei a chorar desesperadamente e não queria soltá-la, com medo que desaparecesse. Então ela me disse que não chorasse, porque ela estava feliz, finalmente estaríamos juntas para sempre e nada mais poderia nos separar. Ainda não consegui superar, até hoje choro, porque acho que esse pesadelo atingiu o maior dos meus medos.

sábado, 12 de outubro de 2013

Minha Avó Me Contou

Vó Amélia me contou que era uma moça muito protegida e quando chegou a época de se casar, um dia  soube que um pretendente viria falar com seu pai. Curiosa para saber da aparência do rapaz, ela conseguiu vê-lo às escondidas e todos seus sonhos ruíram: era extremamente magro e pálido, com uma barba enorme. Enquanto os preparativos para o casamento evoluíam ela manteve-se em tristeza e letargia, certa de que não conseguiria amar aquela pessoa. Torcia para que acontecesse alguma coisa que impedisse o "sacrifício", porque desobedecer ao pai estava fora de questão. Quando chegou o dia do casamento ela deixou-se arrumar, sem a mínima alegria. Caminhou para o altar e quando olhou para o noivo achou que tinha sido trocado; ali estava um belo rapaz, forte e corado, sem pelos no rosto e com um belo sorriso estampado. Do inferno ela ascendeu ao paraíso e amou-o instantâneamente. Depois da cerimônia, quando finalmente puderam ficar a sós, ele contou que planejara vir acertar o casamento bem antes, mas fora acometido de uma malária severa que quase lhe tirara a vida. Tão logo conseguiu ficar de pé insistiu em formalizar o compromisso para não perder mais tempo, daí o estado depauperado que ela viu. Do noivado ao casamento recuperou-se totalmente e era o homem que ela tinha diante de si. Viveram juntos por longuíssimos anos até que a morte a levou antes dele.

domingo, 14 de julho de 2013

Fogo e Gelo

O mar ruge impaciente e atira-se contra a terra, com os olhos cativados pela lava quente, cigana dançarina, vestida de amarelo e vermelho. Ela encolhe-se temerosa, embora atraída pelas promessas espumantes que ele pousa na areia. Mas eu não devo, diz a lava, agora que conheci a beleza da força, não posso me deixar destruir por sua alma gelada. Não, diz ele, o seu amor me fará morno e calmo, então seremos felizes. Insensata ela precipitou-se ao encontro dele e pelo instante de um beijo, foi absurdamente feliz. De repente o mar a cobriu inteira num abraço sufocante e gélido. Impotente ela sentiu seu calor sair pela boca, transformado em vapor, enquanto perdia seus belos tons coloridos. Novamente tornou-se pedra.
Nesse momento ele olhou para ela decepcionado e disse que não a queria mais, porque ela tinha se transformado numa coisa escura e fria.

segunda-feira, 17 de junho de 2013

Eu não creio.




Eu não creio em Jesus Cristo, nem na Virgem Maria, nem nos Santos canonizados. Acho totalmente irracional que não acreditem em Papai Noel e que Branca de Neve não faça milagres, seguindo o princípio de que a fé deve ser cega e inquestionável. Mas tenho muito medo de dizer isso, porque sei que o ódio dos crentes pode matar. Eu não conheço esse sentimento, mas já vi seus efeitos. Não acredito no paraíso, mas não consigo em sã consciência fazer mal ao meu próximo. Sempre que posso ajudo quem necessita e  amo pessoas e animais. Mas meu comportamento não tem a mínima importância para os fanáticos, diante do fato de eu não acreditar naquilo que tentam me impingir. Para muitos deles, isso automaticamente me faz uma criatura maligna, comandada por Satanás e se afastam de mim, porque eu deveria ser uma ovelha ou uma escrava. Não importa, mesmo assim continuarei a fazer o bem, a seguir meus bons princípios, a ter uma alma sensível e carinhosa. O amor é e sempre será meu guia.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Coisas dos Costa Vale

Minha mãe viúva, mora ao lado do irmão e cunhada, que por sua vez moram em frente à casa da filha. Minha prima mora com o marido e os dois filhos, um menino e uma menina. Meses atrás, um ladrão perseguido pela polícia, saiu pulando pelos quintais e deu o azar de entrar no quintal de minha mãe e seus cachorros, inclusive uma pitt bull. Atacado com fúria, resolveu pular para o quintal de meu tio. Machucou-se mais ao atravessar o arame farpado sobre o muro e no desespero caiu em cima de uns objetos de ferro que estavam num canto. Aí então estava todo ensanguentado e desorientado. Subiu no telhado e caiu na calçada, já com minha mãe e meu tio no encalço do meliante. Estendido no chão, ao ver os dois perseguidores enfurecidos, identificou-se como filho de uma conhecida deles. Nisso o marido de minha prima acordou ouvindo a voz do filho vinda da rua. Note-se que isso aconteceu de madrugada. Preocupado saiu para a varanda e viu o quadro; meu tio, minha mãe, um rapaz ensanguentado e a criança ao lado dando palpites. Assustado gritou para que ele voltasse para casa, ao que tranquilamente respondeu: "-Não se preocupe papai, é apenas um ladrão e é amigo de vovô e tia Geralda!".

terça-feira, 5 de março de 2013

Canção das mulheres

Que o outro saiba quando estou com medo, e me tome nos braços sem fazer perguntas demais.

Que o outro note quando preciso de silêncio e não vá embora batendo a porta, mas entenda que não o amarei menos porque estou quieta.

Que o outro aceite que me preocupo com ele e não se irrite com minha solicitude, e se ela for excessiva saiba me dizer isso com delicadeza ou bom humor.

Que o outro perceba minha fragilidade e não ria de mim, nem se aproveite disso.

Que se eu faço uma bobagem o outro goste um pouco mais de mim, porque também preciso poder fazer tolices tantas vezes.

Que se estou apenas cansada o outro não pense logo que estou nervosa, ou doente, ou agressiva, nem diga que reclamo demais.

Que o outro sinta quanto me dói a idéia da perda, e ouse ficar comigo um pouco - em lugar de voltar logo à sua vida.

Que se estou numa fase ruim o outro seja meu cúmplice, mas sem fazer alarde nem dizendo ''Olha que estou tendo muita paciência com você!''

Que quando sem querer eu digo uma coisa bem inadequada diante de mais pessoas, o outro não me exponha nem me ridicularize.

Que se eventualmente perco a paciência, perco a graça e perco a compostura, o outro ainda assim me ache linda e me admire.

Que o outro não me considere sempre disponível, sempre necessariamente compreensiva, mas me aceite quando não estou podendo ser nada disso.

Que, finalmente, o outro entenda que mesmo se às vezes me esforço, não sou, nem devo ser, a mulher-maravilha, mas apenas uma pessoa: vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa - uma mulher.
Lya Luft

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Árvore Antiga

Nós somos como árvores. Quando jovens nosso tronco é resistente, maleável, sadio e estamos ainda sujeitos a mudanças. Por isso nossas raízes são ocultas e mais rasas. Com o crescimento e a altura, essas raízes se aprofundam para que qualquer tempestade não nos derrube. Aí começa a nossa ligação mais intensa com nosso solo. Quanto mais velhos ficamos, sabemos que nosso tronco se enfraquece, estamos mais sujeitos ao ataque de pragas, então temos necessidade de criar mais liames, de lançar mais âncoras e então lançamos mais raízes que agora saem de todo nosso corpo. Até aceitamos algumas trepadeiras, que embora se alimentem de nossa seiva, nos mantêm mais firmes. Mas aí teremos perdido nossa liberdade, não podemos mais ser transmutados. Impossível agora cortar tantos laços e sobreviver.

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Procura de Conhecimento

Nasci com uma gana absurda de conhecimento. Tanto que aos tres anos eu já sabia ler e escrever, enquanto não sabia ainda falar muito bem. Minha tia Neves conta que se divertia mandando que eu lesse textos com palavras que eu ainda não conseguia pronunciar bem. Mas quando eu chegava nas palavras "pegadinha", lia, olhava para ela sériamente e dizia: "Eu sei que não falei certo." A minha sede por leitura era tão grande, que minha mãe ficava irritada, porque eu preferia ler a brincar e muitas vezes me escondia no quintal ou atrás da casa com pedaços de jornal, folhas de revista, que às vezes só traziam propagandas, mas que eu recolhia do chão e escondia como tesouros, para ler assim que estivesse sozinha. Tio Moacir era meu companheiro predileto, porque tinha paixão por livros e passávamos horas naquele quarto abarrotado, sem trocar uma palavra, cada um perdido no seu mundo particular. Muitas vezes minha avó Amélia percebia que já estávamos quase lendo no escuro, vinha e silenciosamente acendia a luz. Para nós naquelas horas, não havia sede nem fome, nos alimentávamos de leitura. No colégio eu acredito que li todos os livros da biblioteca. Depois eu lia os livros das bibliotecas públicas. Aí comecei a comprar livros e quando eles se espalhavam por todos os cômodos da casa, eu doava, deixando apenas os chamados livros de cabeceira", que no meu caso não há cabeceira que caiba tantos. Por que estou contando isso? Porque um dia, muito recentemente, percebi que a leitura trouxe incontáveis ganhos e muito prazer, mas enfiada de cabeça nessa paixão me afastei muito do mundo real. Agora quero entrar de cabeça na vida e colocar em prática o que aprendi. Não seria inteligente passar a vida estudando e nunca entrar de férias.

domingo, 6 de janeiro de 2013

Sem Noção

Eu sou uma tonta. Mexe e vira apronto uma. Nunca acreditei em loterias, mas últimamente ando experimentando novos comportamentos. Na véspera de Natal passei na lotérica do shopping e peguei um monte de cartelas, de jogos variados, para fazer em casa. Cheguei, me coloquei à vontade, li as regras atrás e comecei a marcar. Primeiro pensamento insensato:" afinal isso é apenas um jogo e deve ser baratíssimo. Porque marcar apenas o mínimo e perder a chance de ganhar?" Peguei todas as cartelas e marquei o máximo de números possíveis em cada uma e fui feliz fazer os jogos. Primeiro obstáculo, uma fila quilométrica, o que achei perfeito, porque tinha mais chance de puxar conversa com as simpáticas pessoas que ali estavam. Conversa vai, conversa vem, chega minha vez. E a fila atrás cada vez maior. Dei os jogos para a moça e achei que ela me olhou estranho. Mas tudo bem, ela talvez me conhecesse de outro lugar. E tome a fazer cálculos e me olhar esquisito. Quando terminou, perguntou se eu tinha certeza que queria jogar aquilo. "-Claro, meu bem! Se estou aqui na fila!" falei já abrindo a carteira e tirando vinte reais. E ela: "-Tem certeza?". A fila crescendo e eu: "-Não estou entendendo, quanto tenho que pagar?". Aí veio a bomba; vinte e quatro mil e não sei quantos reais. Fecha o pano para minha carreira e a risada da moça do caixa. Nunca mais me meto no que não entendo. É o que sempre digo até a próxima bobagem.

Cumplicidade

Por trinta e seis anos fui casada com um homem que não conhecia o sentimento de lealdade e de comprometimento. Essas características que são fortes em mim e que eu cultivo por toda vida, para ele significavam nada. Os "amigos" sempre estavam em primeiro lugar, mesmo aqueles que tentavam me seduzir pelas costas dele. As mulheres fúteis tinham mais importância. Não me defendia, não me apoiava, não me incluía. Eu vivia para a família e não podia contar com o companheiro com quem eu planejava envelhecer. Só para exemplificar, quando morávamos em Cuiabá/MT, ele viajou para Brasília dizendo que era a serviço, eu arrumei a sua mala como sempre, porque ele não sabia combinar nada com nada, beijei-o e desejei boa sorte. Alguns anos mais tarde um amigo dele fez questão de me contar, com um sorriso de superioridade, que ele tinha viajado para ser padrinho de casamento dele e com outra mulher. Eu não havia sido nem mesmo comunicada. Muitas dessas aconteceram enquanto eu ficava em casa. Curioso é que ele sempre me dizia que os amigos eram "irmãos", no entanto quando surgiam as dificuldades era sempre eu a estar por perto. Quando foi acometido de um tumor no cérebro e ficou inválido por seis anos, os "irmãos" e as "amigas" desapareceram e eu fiquei sozinha com toda a responsabilidade nas costas. Ninguém apareceu para trocar-lhe uma fralda, eu fazia tudo pessoalmente, com carinho e desvelo. Hoje sei que mereço o mesmo tratamento que dou e nunca mais aceitarei alguém que não pense e aja como eu.